‘Lá vou eu outra vez’ – As esperanças de Waddington finalmente serão cumpridas? – Parte III

por Erik L Peterson

 

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Pergunta 3: Por que as tentativas de Waddington não consertaram a divisão?

 

Resposta 3: É complicado, mas dois fatores se destacam.

 

Eu dediquei capítulos de um livro a essa questão, portanto me desculpem por não fazer justiça aqui. Eu quero focar em apenas duas razões importantes. A primeira é que Waddington e a epigenética se tornaram associados com Lamarckismo, e Lamarckismo de tornou um palavrão em biologia. Para entender o motivo, nós temos que voltar a um dos episódios mais sombrios na história da ciência: a história do Lysenko.

 

Ao longo da década de 1930, Trofim Lysenko saiu da obscuridade para se tornar o agrônomo chefe da União Soviética, prometendo ganhos espetaculares na produção de grãos aplicando choques de temperatura às sementes, um conhecido processo chamado vernalização. Mas Lysenko fez disso não apenas a política agrícola formal da União Soviética em 1948, mas também classificou a genética mendeliana como uma heresia capitalista reducionista e denunciou centenas de rivais por serem mendelianos. Entre eles, Nikolai Ivanovich Vavilov, um dos mais importantes geneticistas de plantas da URSS e um colaborador e amigo de geneticistas ocidentais. Autoridades condenaram Vavilov à prisão perpétua depois que Lysenko o denunciou em 1940. Ele morreu na prisão menos de três anos após sua detenção.

 

O que é menos frequentemente discutido é a reação de proeminentes geneticistas ocidentais a esse episódio. Em 1947, H. J. Muller, Julian Huxley e Theodosius Dobzhansky souberam da morte do amigo Vavilov. Eles começaram uma campanha coordenada para lembrar Vavilov e demonizar o lysenkismo. Muller, que havia trabalhado com Vavilov em Leningrado, foi especialmente veemente em seu compromisso de eliminar qualquer indício de lysenkismo da biologia americana. Logo ficou claro que o que Muller queria dizer com “lysenkismo” era qualquer influência ambiental sobre a herança ou o que ele chamava de “pensamento antigenético”. Por diversas vezes, ele atacou os editores dos principais periódicos por publicar qualquer coisa que sugerisse a herança de caracteres adquiridos. E, embora anos antes Muller tivesse sido um socialista confesso, durante a era McCarthy ele cruzou os braços enquanto jovens cientistas perdiam o emprego na universidade apenas por mencionar que a ciência de Lysenko não tinha tido uma audiência justa no Ocidente.

 

Talvez alheio a esses desenvolvimentos, Waddington publicou ensaios em 1948 e 49 no New Statesman and Nation, a principal revista progressista do Reino Unido, defendendo uma visão mais sutil sobre a ciência de Lysenko, enquanto condenava justificadamente o comportamento político dele. Embora tenha declarado isso com sólidas ressalvas, Waddington admitiu que Muller e outros geneticistas americanos estavam predispostos a rejeitar qualquer trabalho que saísse do laboratório de Lysenko, então, na sua opinião, não havia uma análise justa da ciência.

 

Em 1960, Waddington viajou com um grupo de cientistas britânicos para visitar laboratórios na União Soviética e China. Entre a mais importante das suas visitas estava o Instituto de Genética da Academia de Ciências da URSS em Moscou – em outras palavras, Waddington visitou o laboratório de Lysenko. Em um pequeno relato auto-publicado, ele descreveu o dia que ele passou com Lysenko e dois assistentes, Kushner e Gluschenko – quarta-feira, 19 de setembro. Enquanto achava que o próprio Lysenko era um “camponês astuto e reservado, com um profundo sentimento místico sobre a natureza e um considerável complexo de inferioridade sobre a ciência ortodoxa”, Kushner e Gluschenko mereciam mais respeito segundo Waddington. Por meio de um cuidadoso trabalho de transplante e cruzamento, eles haviam descoberto “fenômenos peculiares que não podem ser facilmente explicados, se é que são, pela genética convencional…”. Waddington não especulou mais sobre a teoria por trás dessas descobertas peculiares. Mas ele não as esqueceu. Durante toda essa visita aos laboratórios comunistas, e mesmo após seu retorno ao mundo científico anglo-americano, Waddington permaneceu muito mais aberto à biologia lysenkista do que colegas como Muller toleravam – um fator que eu acho que teve um impacto sócio-político profundamente negativo sobre os apelos de Waddington à integração da embriologia e da genética.

 

Uma segunda razão pela qual as tentativas de integrar desenvolvimento e herança não colaram em meados do século XX se relacionam com o que Waddington chamou de “a sabedoria convencional do grupo dominante” em inglês “the Conventional Wisdom of the Dominant Group” ou “COWDUNG” (nota de tradução: esse acrônimo em inglês forma a palavra que significa “esterco de vaca”). Para Waddington, “COWDUNG” significava a preferência pela quantidade sobre a qualidade, e da simplicidade em detrimento da complexidade que impulsiona a pesquisa biológica contemporânea – a busca pelo “dinheirinho fácil” ou a recompensa mais rápida na ciência” (Tools for Thought, 1977, p. 23-24). Na década de 1970, ele temia que a biologia da herança e do desenvolvimento realmente significasse apenas uma busca por genes responsáveis por qualquer característica fenotípica interessante – não, como Waddington gostava de dizer, o tipo de biologia revolucionária feita por Charles Darwin e outros. De fato, ele expressou a preocupação de que o desejo pragmático de gerar novidade para obter dinheiro para publicar algo sobrecarregasse a tentativa muito mais lenta de compreender os profundos mistérios dos processos vivos. Durante seus trabalhos finais nos anos 1970, Waddington, por exemplo, deixou de colaborar com biólogos para trabalhar com matemáticos, como Rene Thom e Erik Christopher Zeeman, na esperança de aplicar a teoria da catástrofe ao desenvolvimento e à evolução.

 

Enquanto isso, a Genética Animal de Edimburgo, que há muito tempo mantinha uma divisão entre melhoramento e “morfogênese”, a qual era dirigida por Waddington, fechou a divisão de Waddington. Após a sua aposentadoria em 1969, Waddington mudou-se para os EUA e ocupou a cadeira Einstein na Universidade Estadual de Nova York – Buffalo, criada especificamente para ele reunir a biologia do desenvolvimento com a genética. Mas lá Waddington viu uma versão diferente da busca pela recompensa rápida na ciência; em um esforço para eliminar “gastos desnecessários”, os republicanos da legislatura de Nova York eliminaram sua cátedra inteiramente em 1971.

 

Pergunta 4: Epigenética ou evo-devo pode resolver a divisão?

 

Resposta 4: Essas abordagens certamente têm muita força, mas o mesmo acontece com a rejeição a elas.

 

Baseado no trabalho que fiz sobre essa questão, parece que a forma como os cientistas definem a “epigenética” também se enquadra em dois amplos campos que, previsivelmente, caem em nossos antigos campos metateóricos. O grupo que eu chamo de grupo “epigenética-W”, uma vez que segue a definição original de Waddington, se interessa em como organismos inteiros são formados por uma infinidade de estímulos, sendo o genoma um deles. Na década de 1980, isso foi reduzido ao mapeamento de destino celular e absorvido em pesquisas com células-tronco. “Epigenética-H” segue o trabalho dos anos 80 de Robin Holliday, que definiu epigenética como alterações na função do gene sem alterações na sequência do DNA. Mas, mais importante, essa versão mais popular da epigenética ainda está amplamente interessada nos cromossomos residentes no núcleo.

 

Pergunta 5: Estamos em um momento histórico diferente em que poderíamos realmente testemunhar o fim dessa separação?

 

Resposta 5: Isso, claro, eu não posso responder (apesar do fato desta questão estar no título deste ensaio).

 

Conversas recentes com Eva Jablonka, entre outras, me fazem ter esperança de que algo novo está acontecendo. A presença deste fantástico grupo EES e o pessoal da “Terceira Via” são dois indicadores importantes que algo maior do que há cinquenta anos atrás está prestes a acontecer.

 

Se o estudo da história da biologia revela alguma coisa certa sobre essa questão, é que a discussão sobre a integração do desenvolvimento e da herança no que está sendo chamado de Síntese Evolutiva Estendida não é nova. E eu não quero dizer isso porque os livros sobre o assunto apareceram no final do Projeto Genoma Humano uma década e meia atrás. Essas preocupações sobre a reparação da divisão entre desenvolvimento e herança, refinando assim a definição de evolução, parecem emergir e retroceder ao longo de todo o século XX e agora no século XXI com a regularidade de um pêndulo. Quais implicações isso tem para nossa maior compreensão da história biológica, teremos que reservar para uma conversa de um ou dois pints.

 

 

 

 

Esta é uma minissérie em três partes:
Parte I: Como surgiu a divisão entre desenvolvimento e herança?
Parte II: Como os biólogos tentaram reparar a divisão entre desenvolvimento e herança no passado?
Parte III (este post): Por que de Waddington não tentou corrigir a divisão entre os trabalhos de desenvolvimento e de herança?

 

 

Erik Peterson
Erik L Peterson
Assistant Professor of the History of Science, The University of Alabama

 

 

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