‘Lá vou eu outra vez’ – As esperanças de Waddington finalmente serão cumpridas? Parte I

por Erik L Peterson

 

 

 

Introdução

 

Recentemente, um grupo de biólogos se reuniu em acomodações pitorescas ao lado de uma montanha para discutir a Síntese Evolutiva Estendida. Era uma equipe heterogênea. O grupo incluiu teóricos e experimentalistas, geneticistas de populações e biólogos organismais. Eles trouxeram também alguns participantes das ciências humanas e sociais para incrementar. Alguns usaram gravatas; outros, tênis. Comes e bebes em abundância. Teve conversas paralelas animadas e produtivas. Teve equações. Teve até neve.

 

Todas essas coisas acabaram de acontecer no Instituto Santa Fé em fevereiro de 2018. Mas em vez disso, estou falando das reuniões da União Internacional de Ciências Biológicas (IUBS) que aconteceram na Villa Serbelloni, propriedade da Fundação Rockefeller, em Bellagio, Itália, há meio século (“recentemente” pela estimativa de qualquer historiador). O geneticista/embriologista C. H. Waddington (1905-1975) organizou esses encontros porque estava desapontado que a teoria evolutiva existente – então chamada de Síntese Moderna ou neodarwinismo – parecia não explicar os problemas mais importantes da biologia. Acima de tudo, ele se perguntou como se explica a complexidade organismal diante da simplicidade inicial. Desenvolvimento e evolução foram as respostas óbvias. Mas o que esses termos realmente significam e como eles estavam conectados? Eles eram apenas o desenrolar de instruções genéticas pré-existentes, como a narrativa dos anos 1960 especificou? De 1966 até 1969, Waddington reuniu dúzias de biólogos e outros estudiosos na Villa Serbelloni para discutir como estender a síntese evolutiva examinando mais de perto essas questões.

 

Waddington garantiu que as reuniões da IUBS tivessem um tom equilibrado. Convidou palestrantes que não eram favoráveis ao argumento de que a síntese evolutiva precisava ser estendida, incluindo Francis Crick e John Maynard. Outras reuniões realizadas ao mesmo tempo não eram tão balanceadas. O intelectual austro-húngaro-britânico Arthur Koestler (1905-1983) convocou outra conferência focada em estender a síntese evolutiva em Alpach, na Áustria, em 1968. Waddington juntou-se ao círculo de influenciadores, que incluía Jean Piaget, Ludwig von Bertalanffy, Frederich A. Hayek, Paul Weiss, e Viktor Frankl, entre outros. Mas ali, ao contrário das reuniões da IUBS, Waddington encontrou todo o darwinismo e genética sob ataque. Ele considerava uma síntese evolutiva estendida adequada para um futuro próximo, na verdade já em curso. A questão que Waddington ponderou foi como manter o bebê da biologia evolutiva enquanto jogava fora a água do banho do reducionismo metafísico?

 

Estou muito interessado em entender como a estrutura social, os conceitos intelectuais, as tradições, e os métodos da biologia funcionaram há meio século atrás para criar ou minar o consenso em torno de uma questão tão vasta e importante quanto nossas explicações sobre desenvolvimento e evolução. Também me pergunto como elas estão operando hoje em dia. Estudar os amplos perfis da história da biologia evolutiva, do desenvolvimento e da “herança” me levou a um conjunto de cinco questões. Tentarei sintetizar brevemente uma pequena porção dos cinquenta anos de trabalho na história e filosofia da biologia que nos separam da era de Waddington para tentar abordar várias dessas questões.

 

 

Questão 1: Como surgiu a divisão entre desenvolvimento e herança?

 

Resposta 1: A genética e embriologia caíram naturalmente em uma dicotomia existente entre mecanismo e vitalismo.

 

 

O debate mecanismo-vitalismo tem uma história secular que tomou corpo principalmente dentro dos limites da embriologia. Mas em meados do século XIX, os termos dessa disputa mudaram. A Sociedade de Física de Berlim fundada por Hermann von Helmholtz e Emil du Bois-Reymond, entre outros, se comprometeu a eliminar o vitalismo das ciências da vida. Eles inspiraram o trabalho de Wilhelm Roux conhecido como Entwicklungsmechanik ou mecânica do desenvolvimento. E foi na escola de Roux que Hans Driesch apareceu com seu trabalho de ouriço do mar.

 

Driesch (1867-1941) usou esses experimentos da mecânica do desenvolvimento como evidência em seu pedido pela renovação do vitalismo. Aconteceu que sua campanha pelo vitalismo – que foi adotada por outros grandes teóricos, como Henri Bergson, Oscar Hertwig e William MacDougall (inspirações a Koestler, aliás) – coincidiu com a redescoberta do trabalho de Mendel e o nascimento da genética. Os primeiros mendelianos, mesmo os que tinham sido originalmente treinados em embriologia, viram suas novas pesquisas mais alinhadas com os princípios delineados pelo programa Helmholtz do que o de Driesch. Como um deles, William Bateson descreveu que deixou a pesquisa sobre desenvolvimento na década de 1890 porque sentia que seus professores de embriologia operavam como artesãos ou artistas preocupados com representações esteticamente agradáveis de embriões devidamente montados e corados, e ainda estavam travando batalhas antigas sobre descendência comum. Sua geração de geneticistas queria explorar leis universais usando dados quantitativos, assim como a física. A genética era nova e excitante. Embriologia era chata – pertencia à tradição peculiar e abafada da história natural do século XIX. Isso acabou abafando o vitalismo. Então, esses primeiros geneticistas escolheram ignorar a embriologia para estudar a herança indiretamente por meio da genética de populações.  Uma vez que Walter Sutton e Theodor Boveri observaram independentemente a correlação entre a segregação das unidades de herança de Mendel e o comportamento dos cromossomos na meiose – inferindo dessa forma que os genes eram partículas discretas amarradas nos cromossomos – o mendelismo alcançou um novo tipo de cache. Mais e mais características da biologia pareciam capazes de ser explicadas por meio de ações dos genes.

 

Há mais aí do que apenas tendências, é claro. Como os historiadores Gar Allen, Bob Kohler, Jane Maienschein, Evelyn Fox Keller e outros enfatizaram, a genética apenas se moveu mais rápido. Os organismos modelo cresceram rapidamente. E as regras que se aplicavam a um certo organismo eram aplicáveis a outros organismos. Assim, a divisão entre a biologia do desenvolvimento e a genética era desordenada desde o começo – era sociocultural e metodológica, e também foi facilmente mapeada em uma disputa filosófica existente sobre a natureza da vida. Os organismos modelos produzidos mais rapidamente. E as regras que se aplicavam a um organismo eram aplicáveis também a outros organismos. Assim, a divisão entre biologia do desenvolvimento e genética foi confusa desde o princípio – foi sociocultural e metodológica, e também projetada facilmente em uma disputa filosófica sobre a natureza da vida.

 

É fácil ignorar o quão importante e duradouro esse fragmento filosófico foi para essa história, para acreditar que, uma vez eliminados os obstáculos metodológicos, as divisões entre os estudos de desenvolvimento e herança desapareceriam. Mas mesmo quando grandes nomes trabalharam para aproximar a divisão existente entre embriologia e genética no final dos anos 1920 e início dos anos 1930, as antigas rupturas filosóficas permaneceram. Podemos vê-las até mesmo na primeira grande tentativa de juntar as duas disciplinas.

 

 

 

 

Esta é uma minissérie em três partes:
Parte I (este post): Como surgiu a divisão entre desenvolvimento e herança?
Parte II: Como os biólogos tentaram reparar a divisão entre desenvolvimento e herança no passado?
Parte III: Por que de Waddington não tentou corrigir a divisão entre os trabalhos de desenvolvimento e de herança?

 

 

Erik Peterson
Erik L Peterson
Assistant Professor of the History of Science, The University of Alabama

 

 

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